Boderland – Frontera : new mestiza
Me permito escrever de forma livre aqui, como uma conversa informal entre amigas. Mas ao mesmo tempo quero convidar para pensarmos como as ideias a seguir são uma poderosa ferramenta para diversos campos de pensamento, seja da Psicologia em suas várias áreas, como também a clínica.
Para iniciar falando do livro precisamos falar de Gloria Anzaldúa e falar livro é continuar falando sobre ela, e também um pouco de todas nós mulheres fronteiras. E aqui o sentido da fronteira não é como limite, mas de campo que aglomera diversos sentidos e significados.
Anzaldúa é uma mulher Chicana de família de agricultores de uma cidade fronteiriça (Valle de Texas, McAllen, e também viveu em Hargill), quase México. E é nesse jogo geopolítico, mas também de subjetividades, entre o quase, ou metades, pés em dois ou mais mundos ao mesmo tempo, que Anzaldúa nos envolve numa imersão sobre algo mais além do que comumente chamam interculturalidades. Pois a autora nos convoca a reconhecer várias camadas que permeiam as identidades ditas mestiças-latinas, especialmente as chicanas, demarcando linhas tênues entre diversas identidades presentes na fronteira Estados Unidos e México.
Este livro é acadêmico, mas também prosa, poesia e outras coisas, novamente ela fez esse jogo da não definição, ou de aglomerar sentidos, que é a ideia da mestiza. E desse modo retratando vários aspectos que constituem subjetividades e cultura, e como a cultura é parte de nossas identidades, Anzaldua aborda religião, idioma, território e cultura, e em todos esses temas estão permeados pela mestiçagem. E não há um juízo de valor entre bom ou ruim, nem uma romantização sobre isso, mas uma constatação e problematização do contexto chicano e de como isso interfere na construção de subjetividades.
Apesar de Anzaldúa retratar esse contexto muito específico e pontual, nos sentimos abraçadas pensando em nossas realidades e como têm similaridades, principalmente nós, as latinas de outras partes da América.
Para escrever sobre todo o livro seriam necessárias algumas tantas páginas, faço a eleição de um capítulo que se chama Como domar una lengua Salvaje.
O primeiro detalhe que chamou minha atenção é um livro ter um capítulo da tradutora. E isto faz todo o sentido conforme entendemos que Anzaldúa escreve em espanhol, mas passeia por outras línguas, as quais ela se encontra com ela mesma.
Ultimamente a temática de falar múltiplos idiomas tem me afeto, pois é algo que tenho acessado com frequência uma vez que há um ano resido na Catalunha, em casa falo português e fora, a depender quais terrenos esteja pisando, espanhol, inglês e arriscando catalão. E isso não significa apenas uma habilidade, mas múltiplos significados de si no mundo. E como isso nos permite nos conectarmos conosco de formas distintas, parecendo que temos múltiplas identidades.
Neste capítulo Anzaldua aborda a partir de sua experiência pessoal como falante de castellano originalmente, que inclusive pontua as especificidades do espanhol Chicano, interferem na forma que se expressa em inglês. A autora relata como foi conduzida a acreditar que “seu” inglês não era bom porque não era norte-americano suficiente, e nos convida a pensar sobre a ideia de superioridade linguística e até sobre pureza racial, uma vez que o traço mexicano que levava em sua expressão demarcava um lugar.
Com este capítulo me aproximei ainda mais dos sentidos do meu modo de falar cada idioma com o qual eu me expresso e que nunca será da mesma forma que você, seu vizinho ou seu professor. Pois cada um se expressa a partir de um lugar. E isso é muito potente. Um sotaque, forma de falar, palavras que se escolhem para criar uma frase em um instante são também um pedaço daquilo que é mais simbólico e importante para uma pessoa. Diz respeito a uma história de vida e a forma como se constituiu enquanto pessoa.
O racismo, machismo, misoginia e tantas outras formas de subalternização estão presentes e talvez criando outras facetas para permanecer nas sociedades atuais. No entanto, é importante praticar o exercício de reconhecer a magnitude de cada cultura, entendendo que não há uma inferior ou superior, assim como nas relações deve ser prezado a diversidade de linguas e modos de se comunicar. Que aliás, o único modo de comunicação que necessitamos defender é o respeito
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admin
7 dezembro, 2024Texto incrível! 😀