
Cem anos de solidão: amor a segunda vista
Compartilho aqui os sentimentos, impressões e pensamentos despertados por um grato reencontro: um livro que conheci quando tinha outros olhos. Quando li Cem anos de Solidão não tinha possibilidades de enxergar o que a obra me dizia, porque o mundo como conheço hoje, não existia, ao menos do que entendo hoje desse grande, múltiplo território que é a América Latina. Eis que a série me convidou a (re)conhecer o livro (e devo dizer que as produções – literária e cinematográfica – para mim foram complementares como experiência).
Em partes, o meu não enamoramento inicial com o romance se deve a dificuldade em orquestrar em minha mente todo o vasto elenco criado por Gabô, somado ao realismo fantástico que pouco compreendia na época.
Enxergo hoje, no entanto, que esse realismo mágico/fantástico sempre esteve presente nas narrativas de nossos antepassados latinos. No entanto, por um tempo, embebidos de uma mentalidade colonial, colocando nossa cultura em alguns degraus inferiores, acreditávamos – muitos ainda acreditam – que aqueles conhecimentos orais eram simplesmente baixa cultura.
Ao revisitar este romance de 1967, me faz confirmar como os saberes ancestrais têm potência: o tempo não é linear, é circular. E isso está não só no texto, mas como a própria obra e seu formato é uma referência a uma cronologia que não obedece a uma linearidade colonial. Além disso, o saber e o modo de vida se dão na coletividade, o que nos ensina, por exemplo, que o governo dos povos nos moldes ocidentais está fadado ao fracasso no que tange ao bem estar comum popular.
Nessa perspectiva do coletivo, é difícil a tarefa de encontrar um protagonista, por vezes me pareceu que seria um ou outro personagem do livro, às vezes a própria cidade – que para mim poderia ser qualquer lugar pacato e remoto na América Latina. Fico com a ideia de que o tempo é o próprio protagonista, como o título anuncia. E ao pensarmos em um século de solidão, nos empurra à angústia de um vazio – que na viagem à Macondo e visita aos Buen Día, se tornam cheios – mas não completos – amenizada e ao mesmo tempo intensificada pelas realidades, fantasiosas, mágicas, fantásticas criadas que arrebatam e são arrebatadas pelo tempo.
Comments (4)
Luciano Lira
19 fevereiro, 2025Maravilha de texto, parabéns pela escrita e que lindo esse olhar tão sensível e poético ♥️
Tathina Braga
20 fevereiro, 2025Muito obrigada pela leitura e por compartilhar seus pensamento.
Juliana
19 fevereiro, 2025Fantástico!! Adorei a análise e já estou com vontade de revisitar a obra!
Tathina Braga
20 fevereiro, 2025Fico feliz que tenha te inspirado, depois me conta como foi.