Pensamentos – Tathina Braga https://tathinabraga.com Wed, 19 Feb 2025 21:04:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Cem anos de solidão: amor a segunda vista https://tathinabraga.com/cem-anos-de-solidao/ https://tathinabraga.com/cem-anos-de-solidao/#comments Wed, 19 Feb 2025 21:04:04 +0000 https://tathinabraga.com/?p=7736 Compartilho aqui os sentimentos, impressões e pensamentos despertados por um grato reencontro: um livro que conheci quando tinha outros olhos. Quando li Cem anos de Solidão não tinha possibilidades de enxergar o que a obra me dizia, porque o mundo como conheço hoje, não existia, ao menos do que entendo hoje desse grande, múltiplo território que é a América Latina. Eis que a série  me convidou a (re)conhecer o livro (e devo dizer que as produções – literária e cinematográfica – para mim foram complementares como experiência).

Em partes, o meu não enamoramento inicial com o romance se deve a dificuldade em orquestrar em minha mente todo o vasto elenco criado por Gabô, somado ao realismo fantástico que pouco compreendia na época. 

Enxergo hoje, no entanto, que esse realismo mágico/fantástico sempre esteve presente nas narrativas de nossos antepassados latinos. No entanto, por um tempo, embebidos de uma mentalidade colonial, colocando nossa cultura em alguns degraus inferiores, acreditávamos – muitos ainda acreditam – que aqueles conhecimentos orais eram simplesmente baixa cultura. 

Ao revisitar este romance de 1967, me faz confirmar como os saberes ancestrais têm potência: o tempo não é linear, é circular. E isso está não só no texto, mas como a própria obra e seu formato é uma referência a uma cronologia que não obedece a uma linearidade colonial.  Além disso, o saber e o modo de vida se dão na coletividade, o que nos ensina, por exemplo, que o governo dos povos nos moldes ocidentais está fadado ao fracasso no que tange ao bem estar comum popular.

Nessa perspectiva do coletivo, é difícil a tarefa de encontrar um protagonista, por vezes me pareceu que seria um ou outro personagem do livro, às vezes a própria cidade – que para mim poderia ser qualquer lugar pacato e remoto na América Latina. Fico com a ideia de que o tempo é o próprio protagonista, como o título anuncia. E ao pensarmos em um século de solidão, nos empurra à angústia de um vazio – que na viagem à Macondo e visita aos Buen Día, se tornam cheios – mas não completos – amenizada e ao mesmo tempo intensificada pelas realidades, fantasiosas, mágicas, fantásticas criadas que arrebatam e são arrebatadas pelo tempo.

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https://tathinabraga.com/7728-2/ https://tathinabraga.com/7728-2/#comments Wed, 04 Dec 2024 21:40:29 +0000 https://tathinabraga.com/?p=7728 Boderland – Frontera : new mestiza

 

Me permito escrever de forma livre aqui, como uma conversa informal entre amigas. Mas ao mesmo tempo quero convidar para pensarmos como as ideias a seguir são uma poderosa ferramenta para diversos campos de pensamento, seja da Psicologia em suas várias áreas, como também a clínica.

Para iniciar falando do livro precisamos falar de Gloria Anzaldúa e falar livro é continuar falando sobre ela, e também um pouco de todas nós mulheres fronteiras. E aqui o sentido da fronteira não é como limite, mas de campo que aglomera diversos sentidos e significados.

Anzaldúa é uma mulher Chicana de família de agricultores de uma cidade fronteiriça (Valle de Texas, McAllen, e também viveu em Hargill), quase México. E é nesse jogo geopolítico, mas também de subjetividades, entre o quase, ou metades, pés em dois ou mais mundos ao mesmo tempo,  que Anzaldúa nos envolve numa imersão sobre algo mais além do que comumente chamam interculturalidades. Pois a autora nos convoca a reconhecer várias camadas que permeiam as identidades ditas mestiças-latinas, especialmente as chicanas, demarcando linhas tênues entre diversas identidades presentes na fronteira Estados Unidos e México.

Este livro é acadêmico, mas também prosa, poesia e outras coisas, novamente ela fez esse jogo da não definição, ou de aglomerar sentidos, que é a ideia da mestiza. E desse modo retratando vários aspectos que constituem subjetividades e cultura, e como a cultura é parte de nossas identidades, Anzaldua aborda religião, idioma, território e cultura, e em todos esses temas estão permeados pela mestiçagem. E não há um juízo de valor entre bom ou ruim, nem uma romantização sobre isso, mas uma constatação e problematização do contexto chicano e de como isso interfere na construção de subjetividades.

Apesar de Anzaldúa retratar esse contexto muito específico e pontual, nos sentimos abraçadas pensando em nossas realidades e como têm similaridades, principalmente nós, as latinas de outras partes da América. 

Para escrever sobre todo o livro seriam necessárias algumas tantas páginas, faço a eleição de um capítulo que se chama Como domar una lengua Salvaje. 

O primeiro detalhe que chamou minha atenção é um livro ter um capítulo da tradutora. E isto faz todo o sentido conforme entendemos que Anzaldúa escreve em espanhol, mas passeia por outras línguas, as quais ela se encontra com ela mesma. 

Ultimamente a temática de falar múltiplos idiomas tem me afeto, pois é algo que tenho acessado com frequência uma vez que há um ano resido na Catalunha, em casa falo português e fora, a depender quais terrenos esteja pisando, espanhol, inglês e arriscando catalão. E isso não significa apenas uma habilidade, mas múltiplos significados de si no mundo. E como isso nos permite nos conectarmos conosco de formas distintas, parecendo que temos múltiplas identidades.

Neste capítulo Anzaldua aborda a partir de sua experiência pessoal como falante de castellano originalmente, que inclusive pontua as especificidades do espanhol Chicano, interferem na forma que se expressa em inglês. A autora relata como foi conduzida a acreditar que “seu” inglês não era bom porque não era norte-americano suficiente, e nos convida a pensar sobre a ideia de superioridade linguística e até sobre pureza racial, uma vez que o traço mexicano que levava em sua expressão demarcava um lugar.

Com este capítulo me aproximei ainda mais dos sentidos do meu modo de falar cada idioma com o qual eu me expresso e que nunca será da mesma forma que você, seu vizinho ou seu professor. Pois cada um se expressa a partir de um lugar. E isso é muito potente. Um sotaque, forma de falar, palavras que se escolhem para criar uma frase em um instante são também um pedaço daquilo que é mais simbólico e importante para uma pessoa. Diz respeito a uma história de vida e a forma como se constituiu enquanto pessoa.

O racismo, machismo, misoginia e tantas outras formas de subalternização estão presentes e talvez criando outras facetas para permanecer nas sociedades atuais. No entanto, é importante praticar o exercício de reconhecer a magnitude de cada cultura, entendendo que não há uma inferior ou superior, assim como nas relações deve ser prezado a diversidade de linguas e modos de se comunicar. Que aliás, o único modo de comunicação que necessitamos defender é o respeito

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Uma questão de abordagem https://tathinabraga.com/uma-questao-de-abordagem/ https://tathinabraga.com/uma-questao-de-abordagem/#respond Thu, 07 Nov 2024 21:00:58 +0000 https://tathinabraga.com/?p=7653 Como atuante há mais de dez anos em Psicologia e em Saúde Mental, algo que sempre me incomodou, mas que tem se intensificado com a forma como a saúde mental tem sido vendida, é a ideia de que existe uma psicoterapia específica a depender do diagnóstico da pessoa. A psicoterapia, ou qualquer terapia de cunho subjetivo, tem o caráter de atuar em um nível de subjetividade que não permite a divisão do sujeito em caixinhas. Ao pensar em saúde mental estamos lidando com algo muito mais complexo que com “um sintoma”. Não se cuida do sintoma, mas do sujeito de forma integral. Compartilho esse pensamento a partir da teoria “fatores comuns das psicoterapias”, que afirma que não é a abordagem psicológica que é relevante, mas o indivíduo que atende, a psicoterapeuta, ou o psicoterapeuta. 

A ideia central da pesquisa sobre os fatores comuns em psicoterapia parte do princípio de que a eficácia de um processo psicoterapêutico não se deve a uma técnica ou abordagem específica, mas sim a elementos mais gerais presentes em todas ou na maioria das terapias. Segundo a teoria a mudança produzida em psicoterapia é oriunda de fatores interpessoais, que em maior ou menor grau, são comuns a todas as abordagens psicoterapêuticas.

Carl Rogers foi um dos principais precursores desse aporte teórico. Segundo o autor, o fator mais relevante no processo psicoterapêutico são as atitudes facilitadoras, nomeadas por ele de Condições Necessárias e Suficientes em Psicoterapia Nesse modelo terapêutico a relação entre terapeuta e cliente é fundamental para o processo de mudança. E assim, Rogers identificou condições necessárias e suficientes para que a psicoterapia seja eficaz.

O que são essas condições?

São atitudes do terapeuta em relação ao cliente que, segundo Rogers, são essenciais para criar um ambiente terapêutico propício à mudança. Essas condições são:

  • Congruência ou autenticidade: O terapeuta precisa ser genuíno e autêntico na relação com o cliente. Isso significa que o terapeuta deve ser congruente com seus sentimentos e pensamentos, evitando apresentar uma fachada profissional.
  • Consideração positiva incondicional: O terapeuta deve aceitar o cliente como ele é, sem julgamentos ou condições. Essa aceitação incondicional cria um ambiente seguro para o cliente explorar seus sentimentos e pensamentos, mesmo os mais dolorosos.
  • Compreensão empática: O terapeuta precisa se colocar no lugar do cliente e tentar entender o mundo a partir da perspectiva dele. A empatia permite que o terapeuta se conecte com o cliente de forma profunda e significativa.

Outros autores exploraram essa temática, criando o campo da teoria dos fatores comuns em terapia. Dentre os fatores citados podemos resumir basicamente os mais importantes: a catarse, empatia, aceitação, vínculo interpessoal, verbalização e outros. Em cada abordagem teórica temos distintos termos, mas que resultam em aspectos semelhantes.

  • Relação terapêutica: A base de qualquer psicoterapia é a relação estabelecida entre o terapeuta e o paciente. Essa relação, caracterizada por confiança, empatia e respeito mútuo, cria um ambiente seguro para a exploração de sentimentos, pensamentos e experiências.
  • Exploração de sentimentos e pensamentos: Em todas as psicoterapias, o paciente é encorajado a explorar seus sentimentos, pensamentos e experiências de forma profunda e honesta. Essa exploração permite um maior autoconhecimento e compreensão dos padrões de comportamento.
  • Aprendizado de novas habilidades: As psicoterapias visam ensinar novas habilidades para lidar com situações desafiadoras e promover o crescimento pessoal. Essas habilidades podem incluir técnicas de relaxamento, resolução de problemas, comunicação assertiva, entre outras.
  • Mudança de padrões de comportamento: A psicoterapia busca modificar padrões de pensamento e comportamento que causam sofrimento. Através de diferentes técnicas, o paciente aprende a identificar e desafiar crenças disfuncionais e a desenvolver comportamentos mais adaptativos.
  • Fatores esperança e expectativa: A crença de que a terapia pode ser eficaz e a expectativa de mudança são fatores importantes no processo terapêutico. A esperança motiva o paciente a se engajar no tratamento e a persistir diante de desafios.

REFERÊNCIAS

ROGERS, C. R. Condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica na personalidade (1957). In: WOOD, J. K.; DOXSEY, J. R.; ASSUMPÇÃO, L. M. et al (org.). A abordagem centrada na pessoa. 5. ed. Vitória: EDUFES, 2010

Fatores Comuns e mundanças em Psicoterapia (2008) https://encr.pw/3FLgR

Therapeutic alliance, empathy, and genuineness in individual adult psychotherapy: A meta-analytic review. (2018) https://encr.pw/PNubt

How important are the common factors in psychotherapy? An update (2015) https://acesse.dev/BZnuS

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