Tathina Braga https://tathinabraga.com Wed, 04 Dec 2024 21:40:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.1 https://tathinabraga.com/7728-2/ https://tathinabraga.com/7728-2/#respond Wed, 04 Dec 2024 21:40:29 +0000 https://tathinabraga.com/?p=7728 Boderland – Frontera : new mestiza

 

Me permito escrever de forma livre aqui, como uma conversa informal entre amigas. Mas ao mesmo tempo quero convidar para pensarmos como as ideias a seguir são uma poderosa ferramenta para diversos campos de pensamento, seja da Psicologia em suas várias áreas, como também a clínica.

Para iniciar falando do livro precisamos falar de Gloria Anzaldúa e falar livro é continuar falando sobre ela, e também um pouco de todas nós mulheres fronteiras. E aqui o sentido da fronteira não é como limite, mas de campo que aglomera diversos sentidos e significados.

Anzaldúa é uma mulher Chicana de família de agricultores de uma cidade fronteiriça (Valle de Texas, McAllen, e também viveu em Hargill), quase México. E é nesse jogo geopolítico, mas também de subjetividades, entre o quase, ou metades, pés em dois ou mais mundos ao mesmo tempo,  que Anzaldúa nos envolve numa imersão sobre algo mais além do que comumente chamam interculturalidades. Pois a autora nos convoca a reconhecer várias camadas que permeiam as identidades ditas mestiças-latinas, especialmente as chicanas, demarcando linhas tênues entre diversas identidades presentes na fronteira Estados Unidos e México.

Este livro é acadêmico, mas também prosa, poesia e outras coisas, novamente ela fez esse jogo da não definição, ou de aglomerar sentidos, que é a ideia da mestiza. E desse modo retratando vários aspectos que constituem subjetividades e cultura, e como a cultura é parte de nossas identidades, Anzaldua aborda religião, idioma, território e cultura, e em todos esses temas estão permeados pela mestiçagem. E não há um juízo de valor entre bom ou ruim, nem uma romantização sobre isso, mas uma constatação e problematização do contexto chicano e de como isso interfere na construção de subjetividades.

Apesar de Anzaldúa retratar esse contexto muito específico e pontual, nos sentimos abraçadas pensando em nossas realidades e como têm similaridades, principalmente nós, as latinas de outras partes da América. 

Para escrever sobre todo o livro seriam necessárias algumas tantas páginas, faço a eleição de um capítulo que se chama Como domar una lengua Salvaje. 

O primeiro detalhe que chamou minha atenção é um livro ter um capítulo da tradutora. E isto faz todo o sentido conforme entendemos que Anzaldúa escreve em espanhol, mas passeia por outras línguas, as quais ela se encontra com ela mesma. 

Ultimamente a temática de falar múltiplos idiomas tem me afeto, pois é algo que tenho acessado com frequência uma vez que há um ano resido na Catalunha, em casa falo português e fora, a depender quais terrenos esteja pisando, espanhol, inglês e arriscando catalão. E isso não significa apenas uma habilidade, mas múltiplos significados de si no mundo. E como isso nos permite nos conectarmos conosco de formas distintas, parecendo que temos múltiplas identidades.

Neste capítulo Anzaldua aborda a partir de sua experiência pessoal como falante de castellano originalmente, que inclusive pontua as especificidades do espanhol Chicano, interferem na forma que se expressa em inglês. A autora relata como foi conduzida a acreditar que “seu” inglês não era bom porque não era norte-americano suficiente, e nos convida a pensar sobre a ideia de superioridade linguística e até sobre pureza racial, uma vez que o traço mexicano que levava em sua expressão demarcava um lugar.

Com este capítulo me aproximei ainda mais dos sentidos do meu modo de falar cada idioma com o qual eu me expresso e que nunca será da mesma forma que você, seu vizinho ou seu professor. Pois cada um se expressa a partir de um lugar. E isso é muito potente. Um sotaque, forma de falar, palavras que se escolhem para criar uma frase em um instante são também um pedaço daquilo que é mais simbólico e importante para uma pessoa. Diz respeito a uma história de vida e a forma como se constituiu enquanto pessoa.

O racismo, machismo, misoginia e tantas outras formas de subalternização estão presentes e talvez criando outras facetas para permanecer nas sociedades atuais. No entanto, é importante praticar o exercício de reconhecer a magnitude de cada cultura, entendendo que não há uma inferior ou superior, assim como nas relações deve ser prezado a diversidade de linguas e modos de se comunicar. Que aliás, o único modo de comunicação que necessitamos defender é o respeito

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O quarto ao lado – vida e morte https://tathinabraga.com/o-quarto-ao-lado-vida-e-morte/ https://tathinabraga.com/o-quarto-ao-lado-vida-e-morte/#respond Thu, 21 Nov 2024 13:59:15 +0000 https://tathinabraga.com/?p=7722 Não tratarei aqui da sinopse do filme ou tenho pretensões em avaliar o caráter técnico cinematográfico, mas o que me interessa, além da arte, que para mim são os efeitos das imagens e temáticas levantadas em mim, é de quais sentidos e o que ele comunica. (O que não impede que você possa comentar sobre os aspectos técnicos abaixo). Quero conversar aqui sobre algo mais além, e algo distinto talvez do que se lê em críticas de filme usuais.

O que me levou ao filme inicialmente foi Almodóvar, sim, gosto do diretor e suas cores. A segunda questão foi a pergunta: se você pudesse escolher não sofrer na morte, seria uma opção? Essa é uma das temáticas levantadas no longa. No entanto, tenho lido sobre ser um “tema difícil”, referindo-se a forma como Almodóvar trata o direito de eleger como morrer. Bem, depende do ponto de vista. Como falar de morte e direito à morte humanizada em uma sociedade ocidentalizada? Quero dizer, uma sociedade que assumiu a cultura de uma hegemonia branca e suas afetações sobre viver e morrer. O ponto vista para o mundo e humanidade tem uma lógica de padronização, como se só existisse uma forma de enxergar o mundo, e ela é branca e heteronormativa .

 Quando pensamos nas culturas afro centradas ou indígenas há outros sentidos entre vida e morte, já que a linearidade da vida segundo filosofia africana, por exemplo, não pensa em finitude, mas a vida como ciclo de começo, meio e começo. Não se trata de qual melhor ponto de vista, mas apenas de formas de enxergar distintas. Então tudo depende de um referencial.

E o ponto referencial de “mirada” é de um olhar branco, não de cor da pele apenas, mas eurocentrado, ou seja com todos os privilégios que alguém pode ter quando se trata de bem estar. Então não basta viver uma vida digna, mas também escolher não esperar a morte, ainda que utilizando de produtos ilegais (falo já sobre isso), em uma casa (mansão) maravilhosa em um lugar lindo. Esse é outro ponto importante para se ter em mente.

Mas além dessas questões considero sim audacioso o plano do diretor colocar em questão sobre o direito à morte humanizada (pensando aqui a eutanásia) tendo em vista que o faz justamente no âmbito da branquitude. Além disso, também flerta em certos momentos com uma discussão sobre proteção ambiental, ou salvar o mundo, um mundo que possamos viver e colocar em outro lado os que querem morrer. Aqui, acredito ser dois lados de uma mesma moeda, sobre defesa da vida, pois quando se levanta essa bandeira pensamos em dignidade, bem estar e cuidado com o próximo e consigo, o que não difere da temática da eutanásia.

Nessa miscelânea temática Almodóvar fez sua crítica pontual aos defensores da vida, que aqui entendemos que é totalmente diferente de quando falamos sobre defesa ao meio ambiente e da dignidade da pessoa humana. Estamos falando sobre a imposição de uma normativa cristã do que se entende por defesa da vida. Novamente entra aqui aquilo que pontuei lá em cima, tudo é uma questão de ponto de vista. E esse segue uma lógica muito mais de controle sobre as vidas e os corpos. Para retratar essa discussão o diretor utiliza-se de um representante do estado, que taxativamente aponta como crime tirar a própria vida, assim como aqueles estados que apontam ser crime decidir não continuar uma gestação.

O filme nos remete a uma reflexão sobre vida e morte sem julgamentos, a pensar no que é justo tendo em vista condições tão subjetivas. Portanto, não se trata sobre certo ou errado, bom ou ruim, mas novamente sobre perspectivas. E para além disso, para mim ao menos, me levou a pensar: que formas de viver ou morrer poderiam ser possibilitadas para as pessoas?

 

E você, o que acha?

 

Ah e sobre o filme, gostei médio, mas valeu a pena para ver as cores de Almodóvar.

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Areia https://tathinabraga.com/areia/ https://tathinabraga.com/areia/#respond Thu, 07 Nov 2024 21:42:43 +0000 https://tathinabraga.com/?p=7671 É difícil ser pedra

diante do mar agitado

quase intacta

resistente

inerte à rebeldia

marítima

pouco sente, não vê

eu prefiro ser

areia

que flui

no

       vai

     vem

do mar

e quem sabe

nesse ir e vir 

um dia

ser pedra

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Uma questão de abordagem https://tathinabraga.com/uma-questao-de-abordagem/ https://tathinabraga.com/uma-questao-de-abordagem/#respond Thu, 07 Nov 2024 21:00:58 +0000 https://tathinabraga.com/?p=7653 Como atuante há mais de dez anos em Psicologia e em Saúde Mental, algo que sempre me incomodou, mas que tem se intensificado com a forma como a saúde mental tem sido vendida, é a ideia de que existe uma psicoterapia específica a depender do diagnóstico da pessoa. A psicoterapia, ou qualquer terapia de cunho subjetivo, tem o caráter de atuar em um nível de subjetividade que não permite a divisão do sujeito em caixinhas. Ao pensar em saúde mental estamos lidando com algo muito mais complexo que com “um sintoma”. Não se cuida do sintoma, mas do sujeito de forma integral. Compartilho esse pensamento a partir da teoria “fatores comuns das psicoterapias”, que afirma que não é a abordagem psicológica que é relevante, mas o indivíduo que atende, a psicoterapeuta, ou o psicoterapeuta. 

A ideia central da pesquisa sobre os fatores comuns em psicoterapia parte do princípio de que a eficácia de um processo psicoterapêutico não se deve a uma técnica ou abordagem específica, mas sim a elementos mais gerais presentes em todas ou na maioria das terapias. Segundo a teoria a mudança produzida em psicoterapia é oriunda de fatores interpessoais, que em maior ou menor grau, são comuns a todas as abordagens psicoterapêuticas.

Carl Rogers foi um dos principais precursores desse aporte teórico. Segundo o autor, o fator mais relevante no processo psicoterapêutico são as atitudes facilitadoras, nomeadas por ele de Condições Necessárias e Suficientes em Psicoterapia Nesse modelo terapêutico a relação entre terapeuta e cliente é fundamental para o processo de mudança. E assim, Rogers identificou condições necessárias e suficientes para que a psicoterapia seja eficaz.

O que são essas condições?

São atitudes do terapeuta em relação ao cliente que, segundo Rogers, são essenciais para criar um ambiente terapêutico propício à mudança. Essas condições são:

  • Congruência ou autenticidade: O terapeuta precisa ser genuíno e autêntico na relação com o cliente. Isso significa que o terapeuta deve ser congruente com seus sentimentos e pensamentos, evitando apresentar uma fachada profissional.
  • Consideração positiva incondicional: O terapeuta deve aceitar o cliente como ele é, sem julgamentos ou condições. Essa aceitação incondicional cria um ambiente seguro para o cliente explorar seus sentimentos e pensamentos, mesmo os mais dolorosos.
  • Compreensão empática: O terapeuta precisa se colocar no lugar do cliente e tentar entender o mundo a partir da perspectiva dele. A empatia permite que o terapeuta se conecte com o cliente de forma profunda e significativa.

Outros autores exploraram essa temática, criando o campo da teoria dos fatores comuns em terapia. Dentre os fatores citados podemos resumir basicamente os mais importantes: a catarse, empatia, aceitação, vínculo interpessoal, verbalização e outros. Em cada abordagem teórica temos distintos termos, mas que resultam em aspectos semelhantes.

  • Relação terapêutica: A base de qualquer psicoterapia é a relação estabelecida entre o terapeuta e o paciente. Essa relação, caracterizada por confiança, empatia e respeito mútuo, cria um ambiente seguro para a exploração de sentimentos, pensamentos e experiências.
  • Exploração de sentimentos e pensamentos: Em todas as psicoterapias, o paciente é encorajado a explorar seus sentimentos, pensamentos e experiências de forma profunda e honesta. Essa exploração permite um maior autoconhecimento e compreensão dos padrões de comportamento.
  • Aprendizado de novas habilidades: As psicoterapias visam ensinar novas habilidades para lidar com situações desafiadoras e promover o crescimento pessoal. Essas habilidades podem incluir técnicas de relaxamento, resolução de problemas, comunicação assertiva, entre outras.
  • Mudança de padrões de comportamento: A psicoterapia busca modificar padrões de pensamento e comportamento que causam sofrimento. Através de diferentes técnicas, o paciente aprende a identificar e desafiar crenças disfuncionais e a desenvolver comportamentos mais adaptativos.
  • Fatores esperança e expectativa: A crença de que a terapia pode ser eficaz e a expectativa de mudança são fatores importantes no processo terapêutico. A esperança motiva o paciente a se engajar no tratamento e a persistir diante de desafios.

REFERÊNCIAS

ROGERS, C. R. Condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica na personalidade (1957). In: WOOD, J. K.; DOXSEY, J. R.; ASSUMPÇÃO, L. M. et al (org.). A abordagem centrada na pessoa. 5. ed. Vitória: EDUFES, 2010

Fatores Comuns e mundanças em Psicoterapia (2008) https://encr.pw/3FLgR

Therapeutic alliance, empathy, and genuineness in individual adult psychotherapy: A meta-analytic review. (2018) https://encr.pw/PNubt

How important are the common factors in psychotherapy? An update (2015) https://acesse.dev/BZnuS

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